COLABORE

Trilhas para Construção de Comunidades mais Seguras

Áreas de Atuação

Agentes Cáritas do Sudeste participam de formação de multiplicadores em gestão de riscos, prevenção e mitigação de desastres ambientais.

Publicação: 05/12/2022


Trabalhadoras e trabalhadores da Rede Cáritas que atuam na região Sudeste reuniram-se, durante todo um fim de semana, em Mário Campos, município de Minas Gerais, para a atividade Emergência e Trilhas para Construção de Comunidades mais Seguras. A oficina foi realizada entre 25 e 27 de novembro, pela equipe da Assessoria Nacional atuante na área de Meio Ambiente, Gestão de Riscos e Emergências (Magre), em parceria com a Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais.


Participaram 40 agentes, voluntários e voluntárias da Cáritas Arquidiocesana de Montes Claros, Cáritas Diocesana de Sete Lagoas, Teófilo Otoni, Governador Valadares, Itabira (e Coronel Fabriciano), Almenara, Januária e de Paracatu, além de agentes que atuam no Projeto ATI | 39 - Conceição do Mato Dentro e membros da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser), de Minas Gerais, e Cáritas Diocesana de São Mateus, do Espírito Santo.



Mística de encerramento com a bênção de Dom Vicente Ferreira, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte/Brumadinho e integrante da Comissão Especial para Ecologia Integral e Mineração da CNBB. Foto: Paula Lanza/Cáritas Brasileira


“A ação secular da humanidade sobre a natureza tem sido o principal fator de tensionamento da convivência de todos os seres vivos na Casa Comum, prova disso são os pontos de não retorno dos biomas, o crescimento de núcleos de desertificação, os eventos climáticos extremos e as histórias que desaparecem nesse caminho”, reflete Lucas D’Ávila, coordenador da área de Magre na Cáritas Brasileira. “Pensamos nesse contexto ao construir a formação, não apenas considerando a resposta aos desastres mas, também, provocando os agentes Cáritas a refletir sobre o ambiente em que vivem e as estratégias que podemos desenvolver para evitar e mitigar esses cenários”.


No primeiro dia do encontro, foi realizado o quarto e último módulo do Curso do MAGRE: Gestão de Riscos e Emergências, iniciativa que surgiu em 2021, de forma remota, e que se firmou no contexto da campanha SOS Bahia e Minas Gerais: Solidariedade que Transborda para aprimorar a atuação de agentes, voluntárias e voluntários da Cáritas frente a cenários provocados por emergências sócio climáticas. “Após momentos desafiantes que a rede Cáritas enfrentou no último período chuvoso, com ações de ajuda humanitária emergencial em 11 dioceses, só em Minas Gerais, com envolvimento de dezenas de agentes Cáritas, percebemos a importância de ampliar de forma qualificada a metodologia e protocolos Cáritas diante de situações de emergências”, destaca Anna Crystina Alvarenga, assessora do Magre e coordenação colegiada da Cáritas Regional Minas Gerais.



No primeiro dia do encontro, as pessoas participantes construíram planos emergências de ação a partir de um cenário hipotético. Foto: Wigde Arcangelo/Cáritas MG


Jogo da Trilha


Já nos dias seguintes, a partir de um jogo de tabuleiro, o Jogo da Trilha, as pessoas participantes conheceram metodologias de estudo de caso de comunidades em situação de risco; coleta de dados em campo; diagnóstico comunitário participativo; mapeamento socioambiental; qualificação da percepção de riscos; e elaboração de plano de ação comunitário.


Para Maria da Glória Loesch, assistente social e mobilizadora da Cáritas Diocesana de Teófilo Otoni, “a formação foi muito proveitosa”. Ela integrou a equipe de agentes e voluntários/as na resposta emergencial junto às comunidades atingidas pelos efeitos das fortes chuvas em seu município, nos processos de cadastramento e distribuição de cestas básicas, móveis e materiais de construção.


“Os desastres ambientais sempre vêm com mais gravidade, devido à ação indevida do homem sobre a natureza, a qual intensifica as mudanças climáticas”, sublinha. “E quando participamos do curso e colocamos a mão na massa no Jogo da Trilha, adquirimos novos conhecimentos, novas possibilidades, para estarmos um pouco mais preparados”. 


Estudo de caso: comunidades atingidas pela mineração


Para o estudo de caso foi tomado como exemplo o bairro Campo Verde, no município que sediou a capacitação, Mário Campos/MG. Essa cidade fica ao lado de Brumadinho e também sofre, até hoje, os efeitos do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da Vale S.A, em 2019. 



Participantes do encontro escutaram a comunidade para entender o contexto do território. Foto: Wigde Arcangelo/Cáritas MG


Com as enchentes do fim de 2021 e início de 2022, o rejeito de minério depositado no leito do rio Paraopeba invadiu as casas localizadas nas margens. Além disso, a população passou a apresentar problemas de saúde diversos, como alergia de pele em decorrência do contato com os rejeitos, insuficiência respiratória devido à poeira e alto nível de metais pesados presentes no sangue.


Portanto, a formação também buscou envolver a população local atuante em movimentos sociais que lutam pela reparação dos danos causados pela atividade minerária na região, em particular, o crime da Vale de 2019. 


A professora e vereadora Sammantta Françoise Bleme Carneiro, moradora de Mário Campos e integrante da Comissão dos Atingidos do Funil e Vila das Amoreiras, é uma delas. A lama não chegou a atingir diretamente o município à época do rompimento da barragem da Vale, mas os efeitos desse crime sim. O desespero imediato causado nas pessoas que não sabiam o que estava acontecendo, o aumento da movimentação de grupos de fora, o tráfego intenso de automóveis, a presença de empreiteiras na região, somente para citar alguns.


E foi com as fortes chuvas do final do ano passado e início deste ano que mais uma consequência se revelou. “Com as enchentes de janeiro de 2022 é que tivemos, de fato, a dimensão da contaminação do rio”, declarou Sammantta. “A pasta de minério que invadiu as casas, como é o caso da minha, ficou empoçada no quintal, os pomares morreram e nada mais nasce ali, as paredes e cortinas continuam úmidas, toda vez que chove o odor é terrível, não sabemos quais são os efeitos do contato com os rejeitos no organismo, e até hoje não temos respostas dos órgãos públicos ou da Vale”, desabafa.


A situação da atingida é similar à de centenas de pessoas em Mário Campos que continuam desamparadas pelos responsáveis do crime ambiental, e sem orientação quanto à necessidade ou não de desocupar suas habitações. 


“A população fica sem saber se está em risco, se deve fazer melhorias na casa, se repõe os móveis perdidos na enchente, porque pode acontecer mais uma vez e arruinar tudo novamente. E se tiver que mudar, para onde iremos? Ninguém mais quer comprar um terreno desses”, relata. 


Caminhada comunitária



Participantes do encontro caminharam pela comunidade com o objetivo de mapear riscos e potencialidades do território. Foto: Wigde Arcangelo/Cáritas MG


Em uma das etapas do Jogo da Trilha, os participantes realizaram uma caminhada pelo bairro Campo Verde, um dos atingidos pela enchente de 2022. A ideia foi conversar com moradores e visitar as residências que margeiam o rio Paraopeba, no intuito de identificar as vulnerabilidades e as potencialidades da comunidade, bem como os possíveis riscos e ameaças, e de que forma atuar nessas situações, por exemplo, mapeando as rotas de fuga em caso de novos desastres ambientais provocados pela ação humana.


Foram divididos dois grupos, que identificaram no mapa da comunidade fatores como: densidade da ocupação, presença de moradores com mobilidade reduzida, acesso da população a equipamentos públicos e serviços, padrão construtivo das edificações, abastecimento de água potável, rede de energia elétrica, esgotamento sanitário, áreas de alagamento, entre outros.



A visita técnica contou com o assessoramento da Cáritas Brasileira e moradoras da comunidade. Foto: Wigde Arcangelo/Cáritas MG


“A gente que está nessas áreas de risco, naquele momento do sufoco da emergência, muitas vezes, fica sem saber o que fazer. É um processo em que você precisa de ajuda e ao mesmo tempo tem que ajudar a comunidade. Por isso, achei o curso muito completo, produtivo e, com o trabalho de campo, bastante real”, avalia Sammantta.


Multiplicação nos territórios



O Jogo da Trilha é uma metodologia da Cáritas Brasileira para capacitar a atuação de agentes no Magre. Foto: Wigde Arcangelo/Cáritas MG


Após a atividade de campo, as equipes concluíram o Jogo da Trilha com a criação de um Plano de Ação Comunitário para prevenção, mitigação e preparação em situações de emergência. A ideia foi pensar em ações que permeiam a articulação com os órgãos públicos e as comunidades, a logística de apoio à população, a comunicação de campanhas de arrecadação e de boletins sobre a situação nos locais afetados. Para encerrar a oficina, os/as agentes Cáritas discutiram estratégias de atuação em seus territórios e multiplicação das ferramentas assimiladas durante os três dias de formação. 


“Espera-se que cada participante seja multiplicadora e multiplicador das metodologias e caminhos apreendidos na formação, nas suas dioceses e arquidioceses, tanto na construção de planejamentos e protocolos para agir de forma organizada em momentos de emergências, quanto na construção, junto com as comunidades e bairros em áreas de risco, caminhos para a diminuição das vulnerabilidades e criação de capacidades para incidir junto aos poderes públicos na garantia dos seus direitos”, pontua Anna Crystina, destacando a importância do encontro para a atuação prática de agentes Cáritas.  


“Este espaço é de suma importância, uma vez que fortalece a Rede, considerando os vários acontecimentos em que a área de MAGRE pode contribuir”, pondera Ana Paula Carvalho Barbosa, Coordenadora da Cáritas Diocesana de São Mateus e integrante da Colegiada do Regional Espírito Santo.



A visita a campo subsidiou a construção de mapas de riscos e ameaças da comunidade. Foto: Paula Lanza/Cáritas Brasileira


Ana Paula e sua equipe tiveram um atraso na chegada à atividade, pois o estado do Espírito Santo foi afetado por fortes chuvas nos últimos dias. “Alguns municípios estão passando por uma situação de calamidade e os nossos agentes Cáritas paroquiais têm sido fundamentais no processo de apoio às famílias atingidas”, conta. “Então, essa formação vai contribuir muito na multiplicação de conhecimentos, para que a gente consiga criar um coletivo a fim de propagar o que foi estudado aqui, e atuar da melhor forma possível nas calamidades que vêm acontecendo no nosso estado”.


Rodada nacional


A formação Emergência e Trilhas para Construção de Comunidades mais Seguras conta com o financiamento da Cáritas Alemanha e da Catholic Agency for Overseas Development (CAFOD), tendo sido realizada com as entidades do Inter Regional Nordeste, na cidade de Recife, estado de Pernambuco, passando agora pelo Inter Regional Sudeste, em Mário Campos, Minas Gerais. As próximas edições serão realizadas nos Inter Regionais Norte e Sul, nos estados do Amazonas e Paraná, respectivamente. 


O Curso do MAGRE: Gestão de Riscos e Emergências foi promovido pela Cáritas Brasileira, Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, Cáritas Brasileira Regional Nordeste 2 e Cáritas Brasileira Nordeste 3, com o apoio da Adveniat. A formação contou com quatro módulos, os três primeiros foram realizados de forma virtual, com os agentes de todos os regionais inscritos. Cada Regional ficou responsável por promover o último módulo de forma presencial. A Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais encerrou esse ciclo no município de Mário Campos.  


Foto destaque: Participantes do Encontro Emergência e Trilhas para Construção de Comunidades mais Seguras posam em frente ao Rio Paraopeba, atingido pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da Vale S.A, em 2019. Crédito: Wigde Arcangelo/Cáritas MG


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