A missão da Cáritas, de “testemunhar e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, defendendo e promovendo toda forma de vida e participando da construção solidária da sociedade do Bem Viver, sinal do Reino de Deus, junto com as pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social”, só é possível ser trilhada de “mãos dadas”. Juntos e juntas, diversos atores contribuem com as ações nas diversas áreas temáticas em que a Cáritas tem trajetória. Esse apoio é fundamental, inclusive, para intercambiar e fortalecer as estratégias de incidência política para a realização dessa missão.
Abertura do evento da KoBRA.
O diretor-executivo da Cáritas Brasileira, Carlos Humberto Campos, e o assessor para incidência política, Igor Ferrer, participaram de uma jornada de agendas na Alemanha na última semana. As oportunidades iniciaram pelo último final de semana de novembro, no qual diversas organizações estiveram presentes no evento “Mesa Redonda Brasil”, realizado pela KoBra – Kooperation Brasilien e.V. na Alemanha. A KoBRA é uma rede formada por mais de 80 membros, entre grupos de solidariedade ao Brasil, instituições de apoio e pessoas físicas de países de língua alemã. Foi um espaço principalmente de trocas, aprendizados, sinergias e de fortalecimento de laços.
Os representantes da Cáritas Brasileira também estiveram em reuniões com as organizações Misereor e Cáritas Alemã, parceiros históricos da entidade e em encontros com a organização Pão para o Mundo, o Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento e com grupos de deputados e deputadas do parlamento alemão.
Foram visitas muito importantes, com diálogos e reflexões sobre a situação atual do Brasil pós-eleições. Segundo Carlos Campos, o discurso nessas agendas foi voltado sobretudo para três grandes questões desafiadoras. “Primeiro, a questão da democracia: a ameaça, o desafio que a democracia brasileira viveu e a esperança que temos agora com a eleição de Lula. O segundo desafio que nós apresentamos foi o combate e a superação da fome no Brasil e da pobreza. Onde nós queremos discutir e pautar isso no governo, numa perspectiva da produção e da segurança alimentar para o nosso povo. E, por último, tratando dos direitos humanos, a ameaça que existe hoje sobre os defensores, sobretudo, as lideranças indígenas, as comunidades tradicionais, lideranças dos movimentos sociais, por conta da perseguição e da criminalização que essas lideranças [de direitos humanos] sofrem hoje no Brasil.”
Reunião com Misereor.
O último ponto foi convergente em todas as oportunidades, mas sobretudo no dia 28 de novembro, em Aachen, em uma reunião com a Misereor, obra episcopal da Igreja Católica da Alemanha para a cooperação ao desenvolvimento. Estiveram, além dos dois, a brasileira e defensora dos direitos humanos Marina Oliveira (que já integrou a Cáritas a partir de um projeto em Brumadinho/MG) e a equipe da organização alemã que acompanha a Cáritas Brasileira, dentre os quais Regina Reinart, Madalena Ramos Görne e Almute Heider, além do chefe do departamento para América Latina, Dr. Dieter Richarz.
Na agenda, além desse tema, houve análise da conjuntura brasileira e quais as possibilidades de participação da sociedade civil no novo cenário, bem como a trajetória e as perspectivas da cooperação entre Misereor e a Cáritas Brasileira, com um olhar sobre os projetos atuais nas áreas de fortalecimento institucional e meio ambiente e justiça socioambiental.
Reunião com a Cáritas Alemã.
No dia 29 de novembro, em Bonn, houve uma reunião organizada pela Cáritas Alemã com o Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento. Segundo Igor Ferrer, a pauta também girou em torno do Brasil pós-eleições e dos rumos da cooperação entre Brasil e Alemanha. “Eles também estão com expectativa de começar o próximo ano [para o diálogo com o novo governo]”, de acordo com Igor.
No dia seguinte, 30 de novembro, em Berlim, a agenda foi no parlamento do país germânico, com o Grupo Parlamentar Cone Sul-Alemanha e com representantes do Grupo Temático Brasil-Alemanha. Participaram, além dos representantes brasileiros, Manuel Brettschneider, da área internacional da Cáritas Alemã; Benedict Weiss, assessor para incidência política da Cáritas Alemã, com atuação específica no acompanhamento do Parlamento; Sara Rahnenführer, também da equipe da Cáritas Alemã; e os deputados e deputadas Manuel Gava, Amira Mohammad Ali, Isabel Cadematori, Hubert Hüppe e Beatrix von Storch.
Reunião entre as Cáritas Brasileira e Alemã com parlamentares alemães.
A Cáritas Brasileira trouxe para a mesa de diálogo a necessidade do fortalecimento das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais nos processos de tomada de decisões nas políticas públicas e a importância de melhor regulamentar a ação de grandes empreendimentos (e de grandes empresas) no impacto aos direitos humanos, principalmente das comunidades.
De acordo com as informações apresentadas por Igor Ferrer na ocasião, “é necessário que o Brasil possa restabelecer o sistema de Participação Social, fortalecendo diretamente o espaço cívico, para que o Governo Federal possa, de fato, promover uma agenda de promoção de direitos fundamentais. Atualmente no Brasil, o Congresso está pautando a regulamentação do lobby, e o projeto em discussão tem potencial de redução deste espaço cívico, com impacto diretamente nas atividades de incidência política realizadas por organizações da sociedade civil na promoção e defesa de direitos humanos. Além disso, nos preocupa também iniciativas que têm tramitado no Congresso e que têm potencial de criminalização burocrática das Organizações da Sociedade Civil e a forma como tem avançado o entendimento sobre terrorismo, que podem criminalizar diretamente tanto as organizações como os movimentos sociais.”
Em relação ao segundo tema, Igor reafirmou a ação da Cáritas, relembrando a ampla atuação nas cidades de Mariana e Brumadinho (Minas Gerais), por meio do acompanhamento com assessoria técnica às vítimas dos crimes socioambientais das mineradoras Samarco e Vale, assim como pela mobilização da comunidade internacional. E lembrou aos representantes do parlamento o impacto do atestado da empresa multinacional alemã Tüv Süd na certificação da segurança da barragem de rejeitos da Vale, que em seguida rompeu e matou 275 pessoas em Brumadinho.
“Para que possamos impedir novos desastres semelhantes, há a importância de discutirmos processos relacionados à regulamentação de direitos humanos e empresas. A própria guerra na Ucrânia tem mostrado o impacto do gás na Alemanha e a necessidade de construirmos novas relações econômicas com maior enfoque na garantia de direitos humanos. Justamente neste momento, temos uma lei de devida diligência na Alemanha, que vai entrar em vigor agora em janeiro, uma diretiva que está sendo construída no âmbito da União Europeia para impor limites à atuação das empresas e um projeto de lei em discussão no Brasil. Nesse cenário, contudo, o que nos chega de notícias no Brasil é de que Estados como França e Alemanha têm atuado para debilitar essa proposta de diretiva sobre devida diligência empresarial no Parlamento Europeu.”
Na reunião, ainda foram tratados mais assuntos sobre a democracia e o processo eleitoral no Brasil. as perspectivas para o novo governo no cuidado com os biomas brasileiros e suas comunidades (em especial o Cerrado e a Amazônia), com destaque à novidade da criação do Ministério dos Povos Originários, e da retomada de políticas públicas na área do meio ambiente. No diálogo internacional sobre o tema, foi destacada pelo parlamentar Manuel Gava a importância da participação do Brasil na COP 27. A Cáritas reforçou, por fim, a expectativa de maior cooperação entre os parlamentos das duas nações a partir de 2023. Nos últimos anos, os grupos de trabalho da cooperação entre os dois países acabaram se reunindo apenas uma vez em 2019.
No mesmo dia, a Cáritas Brasileira também participou de um evento da organização Pão para o Mundo, junto com organizações de apoio humanitário internacional. Carlos Humberto Campos falou sobre a importância da segurança alimentar no cenário de retorno do Brasil ao Mapa da Fome e o impacto positivo da oferta agroecológica de produtos da agricultura familiar como uma ação de apoio à superação da fome e da pobreza. Na oportunidade, também estava Naiara Andreoli Bittencourt, advogada popular e membro da Terra de Direitos.
Evento com Pão para o Mundo.
No dia seguinte houve mais uma reunião com o Coordenador do Grupo Parlamentar Brasil - Alemanha, Thomas Silberhorn, no qual foram debatidos os impactos do tratado de livre comércio entre Mercosul e União Europeia e as mudanças climáticas, além do reforço em torno da regulamentação e da ação de grandes empresas e projetos.
As agendas terminaram no dia 02 de dezembro com uma oficina promovida pela Cáritas Alemã, em Frankfurt, sobre construção de processos de incidência política, na qual houve intercâmbio de informações entre as organizações sobre o fazer incidência.
Oficina para intercâmbio de experiências sobre incidência política.