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Páscoa em família: O Mistério Pascal à luz da resistência, profecia e esperança

Igreja

A pandemia de coronavírus nos desafia a viver e celebrar o Mistério Pascal de forma diferente, como as primeiras comunidades cristãs

Publicação: 08/04/2020




Texto: Clêusa Alves - Vice Presidente da Cáritas Brasileira

Foto: Vatican News


Vivemos, em 2020, um cenário atípico. Milhões de pessoas no mundo inteiro, que anualmente se reúnem nas celebrações da Semana Santa para fazer a memória da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, não poderão sair às ruas e se encontrar nos templos. 

Uma força invisível a olho nu, em forma de vírus, nos desafia a viver e celebrar o Mistério Pascal de forma diferente, lembrando as primeiras comunidades cristãs que, por causa da perseguição do Império Romano, celebravam às escondidas nas casas ou catacumbas. Lembrando também os duros tempos de exílio em que o povo de Deus se juntava nas casas e mantinha viva a memória da libertação do Egito, acalentando o sonho do retorno à liberdade da Terra Prometida.

Essa situação nos leva a ressignificar essas celebrações que, em muitos casos, infelizmente, se tornaram meramente rituais ou teatrais, sem nos levar à reflexão e consequentemente à conversão. Ao invés dos grandes eventos de massa, a celebração será em família - sem a mediação do sacerdote - onde cada pessoa é chamada a exercer o ministério que lhe é conferido pelo Batismo.

Vamos, então, lançar um olhar para a paixão e morte de Jesus de Nazaré, à luz da ressurreição, como o fizeram as primeiras comunidades cristãs.

Jesus tinha plena consciência das consequências do seu jeito de viver, de suas pregações e de sua clara opção pelas pessoas pobres e excluídas de seu tempo. Isso significava enfrentar o poder religioso aliado ao poder político. Com sua prática, Jesus anuncia que Deus não está preso nas mãos dos poderosos, pois ele ouve os pobres, abraça os marginalizados, cura os doentes, chama os pecadores, acerca-se das mulheres, quebra regras rituais sem sentido, coloca a vida acima das leis.  A consequência extrema foi a pena de morte. O poder religioso judeu condenava as pessoas à morte por apedrejamento, enquanto a crucificação era a pena capital dos romanos. Jesus é condenado à morte tanto pelas autoridades judaicas quanto pelo Império Romano. Por isso, a morte na cruz. Os Evangelhos, repetidas vezes, vão nos dizer que fariseus, doutores da lei e herodianos procuravam um jeito de prender e matar Jesus. Sua postura incomodava profundamente os donos do poder político, econômico e religioso. Então, sua morte dolorosa e cruel não é fruto do acaso. Ele sofre um processo, é preso, torturado, julgado e condenado à morte com base em crimes que ele não havia cometido. Foi a forma que encontraram para afastar do seu caminho aquele que tanto incomodava com a novidade do Reino de Deus. 

Se nos colocamos no lugar daquela primeira comunidade de seguidores e seguidoras de Jesus, podemos imaginar o grau de frustração, medo e desorientação que tiveram com o processo e a morte daquele que acreditavam ser o Messias, o libertador. E, certamente havia expectativas e compreensões diferentes sobre o significado da missão de Jesus. 

O que fez aquelas pessoas se encorajarem novamente? O que as fez superar o medo? Sabemos que ninguém presenciou a ressurreição de Jesus. Ninguém podia “provar” o acontecido. A realidade é mais profunda porque não se tratava de encontrar provas. A novidade é que todas as testemunhas fizeram a experiência do Ressuscitado. Seu corpo já não era mais o mesmo. Está glorificado! Mas não é com eventos estrondosos ou aparições mágicas para multidões que o Cristo se manifesta. Tanto que demoraram em reconhecê-lo. Jesus ressuscitado é confundido com o jardineiro, com um peregrino, com um pescador... mas é reconhecido quando chama Maria Madalena pelo nome, pelas costumeiras saudações de paz, no seu jeito de falar e de fazer compreender os fatos ocorridos, pelos gestos de partilha de pão e peixe. Então, aquela pequena comunidade se dá conta de que a morte não é o fim de tudo. Afinal, Ele está vivo e presente! À luz da Ressurreição pode entender e abraçar o projeto do Reino de Deus personificado em Jesus. Entendeu que a morte é até necessária se compreendida como Páscoa - Passagem: “Se o grão de trigo não morrer, viverá na solidão. Mas se acaso ele morrer, muito fruto há de dar” (Jo 12, 24).

Que consequências tudo isso traz para a realidade que o mundo está vivendo em 2020? Se a vida é mais forte que a morte, não podemos desistir da caminhada. Somos profetas e profetisas da resistência. Quando tudo parece dizer o contrário é preciso dizer como Paulo: “Ele não só venceu a morte, mas também fez brilhar a vida e a imortalidade por meio do Evangelho... sei em quem depositei a minha fé, e estou certo de que ele tem poder para guardar o meu depósito até aquele Dia”  (2Tm 1,11-12).

Celebrar a Páscoa hoje significa dar ao mundo as razões da nossa esperança.


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