As mulheres brasileiras estão em vários espaços no território nacional, sendo a maioria no quantitativo da população brasileira. Segundo dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), temos 51,1% de mulheres no país. Mulheres que têm dupla jornada, que são arrimos de família, que estão na linha de frente de tantas lutas por espaço, direitos, pela não violência e pela vida. Todas as conquistas têm sido fruto de muita luta individual e coletiva, pois estamos pouco representadas ainda no parlamento. Embora sejamos minoria nos espaços de decisão, somos em maior número no chão das fábricas e compondo os números do mercado informal. Na luta por trabalho e vida digna, as mulheres se organizam e, por meio da Economia Popular Solidária (EPS), vêm se fortalecendo a cada ciclo, a cada tempo.
As mulheres na EPS estão nas lideranças das cooperativas, nos grupos informais e associações, se ajudam e resistem à falta de políticas públicas, de apoio financeiro, assistência técnica, assessoria especializada. Ainda assim elas seguem, seguem fazendo muitas vezes do jeito que sabem, de modo intuitivo, típico das mulheres, elas seguem... Tecendo arte em bordados, tingindo tecidos, modelando o barro, preparando doces, juntando sementes, jogando a malhadeira no rio, arando e semeando a terra, nos galpões e nos lixões separando os recicláveis, elas seguem. Seguem fazendo as cirandas e cantorias, seguem semeando esperança em meio aos últimos anos de tempos sombrios, nos quais o feminicídio aumentou. Elas seguem combatendo a desigualdade, a escassez de alimentos, seguem enfrentando a fome, fugindo da morte, elas seguem.
Seja nos empreendimentos, nas redes ou nas rodas, as mulheres que fazem a Economia Popular Solidária no Brasil são o pulsar da transformação, da teimosia e da resistência. Elas são a beleza do esperançar a cada desafio. Elas fazem do desafio e das dificuldades o alimento que nutre e dá energia para o passo seguinte. Essas mulheres têm rosto, têm nomes, têm histórias incríveis de superação. Elas são tantas, de tantos lugares, de tantas linguagens e de tantos saberes.
As mulheres da EPS se organizam, se dispersam, se reconectam e não deixam de persistir na construção desta nova economia. Elas nos ensinam sobre a partilha, a solidariedade, elas cooperam entre si e com os outros, e na prática vivem a autogestão. Elas fazem as feiras, animam os pontos fixos de comercialização, as lojas solidárias, embelezam as vendas porta a porta e não desistem. Elas são a personificação da teimosia profética. As mulheres da Economia Popular Solidária fazem mais do que produzir, distribuir e vender. Elas fazem histórias, vendem memórias e saberes ancestrais. Elas investem uma porção de si em cada item e assim compartilham suas energias em cada produto que é colocado à venda.
Essas mulheres que fazem a EPS foram forçadas pela crise do trabalho formal - desencadeada pelo sistema opressor, patriarcal, misógino que ainda impera -, a buscar novos meios para manter suas famílias, estar mais perto dos seus filhos e ainda assim obter renda para suprir as necessidades básicas. A partir da pandemia da Covid-19, elas tiveram que se reinventar e se desafiar em novos aprendizados. Elas passaram a manusear as redes sociais, a acessar as plataformas virtuais, a organizar as reuniões, a divulgar seus produtos. Elas passaram a administrar um outro jeito de vender, não mais presencial, mas por meio das vendas casadas e das entregas porta a porta.
Diante deste cenário pandêmico de incertezas e desafios, de aumento da fome e insegurança alimentar, em que os números de assassinatos e violências contra as mulheres só cresceram, as mulheres da Economia Popular Solidária seguem se organizando nas comunidades, nas periferias, compartilhando saberes, buscando através da colaboração coletiva, meios de subsistência não só para elas, mas para todas. Assim, elas se articulam para incidir nas políticas públicas, no controle social, na participação nos conselhos e fóruns, porque elas são inquietas.
Na sociedade, as mulheres da EPS querem mais que espaços de comercialização, insumos, equipamentos, assistência técnica. Elas querem o reconhecimento e a valorização do trabalho que realizam, querem romper com a invisibilidade que o sistema às impõe. Elas querem ser mais que números no contexto do trabalho informal. Elas querem seu espaço na política e no orçamento público, elas querem mais que subsistência, elas querem e anseiam que a Economia Popular Solidária seja, de fato, parte do sistema econômico. Elas querem os direitos previdenciários garantidos à categoria de trabalhadoras que são.
Considerando que as mulheres que fazem a EPS, seja no campo, na cidade ou na floresta desencadeiam micro revoluções por onde passam, elas conseguem trazer esperança aos invisíveis que o sistema expulsa e que vivem à margem no subemprego. Na Economia Popular Solidária, não só as mulheres, mas as juventudes também têm aberto e conquistado seus espaços, afirmando que um outro sistema econômico é possível e que uma nova sociedade sem desigualdades, com distribuição justa de riquezas, que cuide e preserve o meio ambiente já existe, mas precisa ser fortalecida e que, para isso, precisa de muitas mãos.
Em seus 43 anos de experiência com a Economia Popular Solidária (EPS), a Rede Cáritas no Brasil tem atuado nos territórios, por meio dos regionais e entidades membro, animando e fortalecendo as iniciativas coletivas de produção, trocas e comercialização através dos empreendimentos e redes de EPS, em sua maioria protagonizada por mulheres.
As mulheres seguem tecendo redes, fazendo cirandas, criando, recriando, escrevendo histórias e ainda que queiram as invisibilizar, elas seguem se juntando, se apoiando, seguem resistindo e enfrentando tudo que lhes queiram calar. Elas seguem fluidas, em unidade, em mutirão!
Texto: Marcela Vieira - Assessora Nacional da Cáritas Brasileira, especialista em gestão de projetos, educadora popular e economista.