A população brasileira é majoritariamente composta por grupos minorizados. Essa afirmação é resultado do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, que aponta, por exemplo, que os negros e mulheres resultam a maioria da população, apresentando, 56% e 51% respectivamente. Em contraponto, a representação política dessas populações e a aplicação dos direitos para esses grupos estão cada vez mais esquecidas, reduzidas e redirecionadas em outras pautas.
Se por um lado, observamos pequenas mudanças que afetaram de forma positiva a eleição de candidaturas das populações negras, dos povos originários e mulheres, aos cargos políticos e centralização das suas discussões; por outro, há políticas governamentais que não redirecionam e nem tampouco priorizam as reflexões que estão estritamente ligadas a essas populações, mesmo que a falta dessas contribua de forma significativa para a morte desses coletivos.
Temos como exemplo, a não priorização de políticas de mitigação e adaptação das mudanças climáticas.
O que sabemos sobre isso? A ciência continua apresentando que as mudanças ambientais estão ocorrendo e que o comportamento humano tem sido um fator destaque para provocar essas alterações. Essas mudanças incluem o aumento da temperatura atmosférica, provocando maior incidência de enchentes e tempestades, entre outros fatores. É a partir desse ponto que se faz necessário pensar políticas que compreendam tais situações.
A Rede Cáritas, organismo da Igreja Católica, por meio da sua área de atuação de Meio Ambiente, Gestão de Riscos e Emergências (MAGRE), constituída desde a sua criação, se sustenta pelo tripé: prevenção, preparação e respostas em emergências (tanto ambientais como sociais).
Desse modo, atua em temáticas relacionadas à prevenção de desastres, ao atendimento às populações, por meio de ações coletivas e tecnologias sociais, possibilitando espaços de diálogo, comunicação e articulação com as organizações sociais e poder público, por meio dos seus entes. Dessa forma, busca a construção da nossa Casa Comum; contribuindo para o compartilhamento do evangelho de Cristo, o cuidado de todas e todos.
Por que isso é importante? De acordo com o levantamento feito pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), mais de 300 milhões de pessoas, entre os anos de 2013 e 2022, foram afetadas por desastres. Inundações, alagamentos, enchentes e deslizamentos de terra atingiram a vida das populações em diferentes localidades, tais como: Bahia, Minas Gerais, Alagoas, Pernambuco e Rio de Janeiro, ocasionando, em diferentes proporções, para grandes perdas e até mortes. Mais de 400 pessoas perderam a vida somente nas ocorrências nos estados anteriormente citados. Em outros cantos do país, a população também continua sofrendo pelas consequências de outro fenômeno climático: a intensificação da estiagem, que tem provocado o aumento de incêndios, gerando danos às vidas.
Seja pelo excesso de chuva ou falta dela, o povo brasileiro, espalhado em cada canto do país, sente os impactos dos efeitos climáticos. Mas, afinal, o que esses acontecimentos têm em comum? Qual a relação entre os desastres ambientais e as populações minorizadas?
As pessoas mais afetadas pelas mudanças climáticas estão localizadas nas regiões marginalizadas e mais pobres das cidades, como aponta o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) - Mudança Climática 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, evidenciando que há regiões do mundo que sofrem mais que outras com os impactos das mudanças no clima.
Assim, as populações minorizadas já são prejudicadas pelas desigualdades sociais e raciais e continuam sendo injustiçadas pelos desastres, ocasionados pelas alterações climáticas, mesmo que essas pessoas integrem grupos que menos contribuem para o aquecimento do planeta.
Essa afirmação está sinalizada no relatório Oxfam-Stockholm Environment Institute, apresentando que as emissões de poluentes dos ricos, representando 15% de CO2 do planeta, são maiores do que as dos pobres, com emissão de apenas 7%.
De tal forma, coletivos formados por populações negras e povos originários são vítimas preferenciais da pobreza, que é retroalimentada pelas violências estruturais.
Racismo Ambiental
Os cientistas têm chamado o processo de discriminação pela ótica climática de Racismo Ambiental. Em outras palavras, o Racismo Ambiental é o fenômeno de discriminação que populações periferizadas ou compostas de grupos étnicos que sofrem por meio da degradação ambiental. Ou seja, certas comunidades são afetadas de maneira desproporcional por problemas ambientais.
Como dissemos, as populações negras, os povos originários e outros grupos minorizados são alvos recorrentes de negação dos acessos aos direitos e continuam sofrendo com os problemas ocasionados pelas consequências climáticas.
Segundo Cristina dos Anjos, representante do Grupo de Trabalho de Luta Antirracista, a falta de políticas públicas contribui para a manutenção desse cenário de exclusão. “As políticas públicas ambientais são instrumentos importantíssimos, na medida em que garantem a perspectiva de um desenvolvimento integral, garantindo a integração ambiental, econômica, e a vida das pessoas. O aquecimento global, causado pela ação descontrolada no meio ambiente, acaba afetando diretamente a vida das populações mais vulneráveis, provocando deslocamentos, empobrecimentos e perda de vidas. É preciso lutar por políticas que garantam projetos de sociedades democráticas, com igualdade de oportunidades para todas as pessoas, que enfrentam as desigualdades raciais”, disse.
Essa é uma realidade vivenciada por muitos brasileiros. Graciete Celestina dos Santos, moradora há 33 anos do bairro do Córrego do Desastre, localizado no município de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, relata que na cidade o poder público foi negligente com as vítimas das chuvas de maio deste ano. “Eles vieram para colocar a lona. Só! E torar alguns pés de árvore. Só! Somente! Depois disso, mais nada. Só chegaram para colocar a lona. Eu queria que eles ajudassem a gente. As pessoas do Córrego do Desastre estão esquecidas. Ajudar as pessoas que foram atingidas”, desabafou.
Maria José Silva do Nascimento, 61 anos, também pertencente à cidade de Jaboatão, morando há 30 anos no bairro de Comportas, relata as suas perdas e o medo de acontecer novamente. “Entrou água aqui, na casa de minha filha. Chegou até aí. Cobriu essa cerca todinha. Mas a água passou e eu estou aqui na minha casa. Levou as minhas coisas. Acabou com o meu armário, com o meu guarda-roupa, como o meu sofá. Esse sofá que tá aí foi eu que ganhei. Levou um bocado de coisa. Minha só não, daqui da minha vizinha, aqui do povo. Graças a Deus eu estou aqui [...] Eu espero que não aconteça mais, porque se acontecer esses negócios tudinhos, vai ser outro desespero de novo, né não?”, disse.
Confira o depoimento de Maria.
Graciete e Maria se somam às moradoras e moradores que sofreram e perderam estruturas materiais e imateriais com as consequências das fortes chuvas que aconteceram nos últimos dias de maio e início de junho no estado de Pernambuco.
No estado foram registradas 132 mortes; 64 aconteceram no município de Jaboatão. A maioria das vítimas — 120 pessoas, ou 93% – morreram soterradas por deslizamentos de barreiras e nove (7% das vítimas) morreram por afogamento.
E o voto muda desastre?
O Brasil, como os demais países da América Latina, passou por incertezas políticas, se alternando em períodos de democracia e ditaduras. Na atualidade, vivemos o mais longo período democrático.
Neste regime, o voto é uma das principais garantias capaz de mudar as estruturas. Cada governo reorganiza as políticas que direcionam os rumos à ascensão ou à decadência do país. Em 2 de outubro deste ano, além dos votos para deputados, governadores e senadores, a população brasileira elegerá o presidente e vice-presidente. Assim, para chegar a uma mudança efetiva, que gere benefícios a todas e todos, se faz necessário votar com responsabilidade.
A proposição, definição, fiscalização das leis que vão impactar diretamente os brasileiros no dia a dia partirão dos nossos representantes. É nesse sentido que as nossas representações devem estar alinhadas com políticas que centralizem o debate ambiental. Além disso, que proponham soluções aos problemas socioambientais.
Nosso voto é potente
Como forma de trabalhar a conscientização das pessoas que participam do processo eleitoral, a CNBB junto com outros organismos que a ela se interligam (CNLB, CPP, CPT, Cáritas Brasileira) organizaram um caderno que faz parte da Campanha Encantar a Política, que tem como objetivo principal desmistificar o tema da política, gerando interesse social que incentiva o voto consciente. Dos conteúdos do caderno de textos do Encantar a Política, cabe destacar alguns pontos temáticos: a amizade social e ética da política, o cuidado com a casa comum e a importância das eleições e a democracia.
A Cáritas Brasileira realiza a campanha “Nosso voto é potente. Voto consciente para mudarmos o Brasil” dentro dessa perspectiva. A campanha propõe reflexões para o voto consciente para mudar os rumos políticos do país. Ela dá unidade visual e narrativa às diversas iniciativas locais e regionais que estão sendo realizadas pela Rede Cáritas. Também tem intuito de fortalecer a promoção dessas narrativas, inclusive potencializando os conteúdos construídos pela base. E, por fim, chama atenção para as lutas e bandeiras da Rede pelo voto consciente.