A primeira missão confiada por Deus à humanidade foi a de cultivar e guardar a Criação (cf. Gn 2,15). As Escrituras falam do Senhor Deus que cria um jardim como casa para a humanidade, onde Deus e humanos passeariam juntos. No entanto, essa convivência harmônica foi rompida pelo pecado. Apesar disso, Deus não desistiu da humanidade. Ele a acompanha e a exorta à conversão. Faz isso com tal amor que enviou seu próprio Filho para a nossa redenção. E ressuscitou seu Filho dos mortos submetendo a Ele toda a Criação (cf. Ef 1,10).
Como Igreja peregrina, vivemos entre um jardim e outro: aquele de onde fomos expulsos pelo pecado, e aquele para onde caminhamos ao encontro do Senhor. Somos chamados à responsabilidade. Não podemos mais continuar respondendo à pergunta de Deus feita a Caim – “Onde está teu irmão?” (Gn 4,9), como se não tivéssemos nada a ver com o fato de que a terra está sendo devastada.
Quando o anjo que subia do Oriente gritou aos anjos destruidores: “Não danifiquem a terra, o mar e as árvores” (Ap 7,3), ele gritava a todos os responsáveis pela destruição. Somos responsáveis pelo envenenamento dos Yanomami em Roraima quando compramos ouro minerado ilegalmente lá. Somos responsáveis quando elegemos e apoiamos representantes públicos que não respeitam os acordos internacionais de mitigação do aquecimento global.
A Igreja neste país não se furta da tarefa de defender os biomas brasileiros, especialmente a Amazônia. Assim, justificam-se as várias Campanhas da Fraternidade dedicadas aos temas ecológicos. Registre-se que a CNBB conseguiu que o Congresso Nacional aprovasse, em 2022, a lei n. 14.393 que dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental, para instituir a Campanha Junho Verde.
Estudos mais recentes comprovam que a Amazônia não é uma floresta intocada pela humanidade; ao contrário, ela tem sido plantada e cultivada pelos povos indígenas (Levis, 2017), que aprenderam a conviver com seus ritmos, há pelo menos 12 mil anos. Esses povos cumpriram o mandato de Deus de guardar a Criação. Porém, a expropriação de suas terras em vistas do latifúndio, da monocultura, do agronegócio ou da mineração fomenta o desmatamento e as queimadas na Amazônia.
Há quem não compreenda a relação entre a conversão ecológica e a fé cristã. O Papa Francisco, na Laudato Si', 217, citando Bento XVI, reafirma que a expansão dos desertos exteriores está intimamente ligada ao crescimento dos desertos interiores. A conversão ecológica é consequência do verdadeiro encontro com Jesus. Ele veio para que todos tivéssemos vida em abundância (cf. Jo 10,10). Por isso, essa conversão precisa se dar em vários níveis simultaneamente: desde o pessoal até o comunitário e o global. Porque não existe uma única resposta como solução, visto que não há duas crises separadas, mas, “uma única e complexa crise socioambiental” (LS, 139).
Estejamos atentos aos sinais dos tempos, aos apelos de Deus, da Igreja e da própria Criação. Tais sinais nos ajudam a tirar as escamas dos nossos olhos e a propor e acompanhar a elaboração de políticas públicas como a Campanha Junho Verde. É urgente que sejamos mais educados e formados na fé como guardiões da Criação, corresponsáveis pela vida dos irmãos e irmãs mais marginalizados, na tentativa de que a vida não continue sendo devastada pelos cataclismos que têm se tornado tão comuns nos últimos anos. Lembremo-nos de que tudo está interligado. E tudo depende da nossa conversão.
Referências
LEVIS, C. et al. Persistent effects of pre-Columbian plant domestication on Amazonian forest composition. Science. v. 355, n. 6328, p. 925-31. 3 mar. 2017.