Lideranças indígenas e representantes católicos entregam carta ao ministro Fachin no STF, pedindo justiça e proteção para os povos indígenas.
Organizações
ligadas à Igreja Católica em todo o Brasil entregaram, na última quinta-feira (14),
uma carta conjunta ao ministro Edson Fachin, vice-presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), expondo a preocupação diante da insegurança e da
violência a que estão expostos os povos indígenas, com destaque para os
conflitos sofridos nos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do
Sul. Lideranças indígenas das regiões do Amazonas e Rondônia também
acompanharam a entrega.
Ao todo, treze organizações assinam a Carta, junto com outras 22 entidades que representam fóruns, redes, comitês e articulações em defesa de populações tradicionais e de biomas como a Amazônia e o Cerrado. Além do ministro, a Carta também foi entregue nominalmente e protocolada aos demais ministros em seus gabinetes, junto com o relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil - Dados de 2023, lançado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Entrega de carta ao ministro Fachin no STF em defesa dos povos indígena.
O ministro Fachin já foi o relator do julgamento da tese do Marco Temporal e suspendeu decisões que impediam a demarcação de terras indígenas, além de estar na relatoria de outros processos relacionados aos conflitos territoriais em terras de posse e ocupação tradicional, ainda não demarcadas. As organizações também suplicam que seja apreciada com urgência os pedidos de incidente de inconstitucionalidade da Lei 14.701/23, apresentados pelo Povo Xokleng no Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 (Tema 1031), e na Ação Cível Originária (ACO) 1100, ambos com sua relatoria.
Na Ação 1100, o Povo Xokleng reivindica a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas, e que agora estão sob especulação e invasão por parte de proprietários e madeireiras. “Há informações de grupos fortemente armados que buscam retirar à força comunidades indígenas de seus territórios tradicionais. Como também, há registros de indígenas baleados e de agressões contra religiosos. Os povos atacados foram os Guarani Kaiowá, Avá Guarani e Kaingang, e ocorreram nos últimos dias”, acrescenta a Carta.
Com a vigência da Lei do Marco Temporal (14.701/2023), os procedimentos administrativos de demarcação se tornam ainda mais lentos, sendo até anulados, além de legitimar a ação criminosa de grupos armados, como o movimento “Invasão Zero”, o que acirra os conflitos já existentes.
O Coletivo de Incidência Política Compartilhada foi constituído em 2021 e reúne diversas organizações, movimentos e pastorais sociais, objetivando colocar suas expertises e potencialidades em colaboração mútua, a fim de ampliar suas capacidades coletivas de influenciar em pautas estratégicas nos contextos jurídicos, legislativos e executivos. As ações são de reivindicação junto ao Executivo, Legislativo e Judiciário com o objetivo de lutar pelo Cuidado da Casa Comum, a salvaguarda do Estado Democrático de Direito, a Garantia dos Direitos Fundamentais e o apoio à garantia de direitos daqueles segmentos mais vulnerabilizados de nossa população.
O coletivo
atualmente é composto pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP),
Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Comissão Pastoral da Terra (CPT),
Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida
(OLMA), Rede Igrejas e Mineração, Cáritas Brasileira, Serviço Pastoral dos
Migrantes (SPM), Comissão Episcopal Especial para o Enfrentamento ao Tráfico
Humano (CEEPETH), Pastoral Carcerária (PCr), Comissão Pastoral dos Pescadores
(CPP), Pastoral Nacional da Moradia e Favela e a Comissão Episcopal Pastoral
para a Ação Sociotransformadora (CEPAST-CNBB).
Leia a Carta Completa:
AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EDSON FACHIN
Nós, representantes das organizações ligadas à Igreja Católica abaixo assinadas, vimos muito respeitosamente à presença de Vossa Excelência, expor nossa preocupação em relação à situação de extrema insegurança que atravessam os povos indígenas do Brasil.
Acompanhamos com consternação os episódios de violência contra povos indígenas no Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul relacionados aos conflitos territoriais em terras de posse e ocupação tradicional, ainda não demarcadas.
Há informações de grupos fortemente armados que buscam retirar à força comunidades indígenas de seus territórios tradicionais. Como também, há registros de indígenas baleados e de agressões contra religiosos. Os povos atacados foram os Guarani Kaiowá, Avá Guarani e Kaingang e ocorreram nos últimos dias.
Sabemos do esforço empreendido por essa Corte nos últimos anos, especialmente por Sua Excelência, no Tema 1031, para fixar o entendimento acerca do alcance dos arts. 231 e 232 da Constituição Federal.
Todavia, causa-nos espécie a reação absolutamente desmedida do Congresso Nacional em impor por meio de medidas legislativas uma interpretação da Carta Maior em completa desconformidade com o que acordou o Constituinte originário e de como interpretou o art. 231 da Constituição esta Corte no julgamento finalizado em setembro de 2023.
Do mesmo modo, preocupa-nos a plena vigência da Lei 14.701/23, evidentemente afrontosa à tese fixada no Tema 1031, sem, até o momento, nenhum pronunciamento desta Corte Constitucional, embora tenha sido devidamente provocada.
Impossível desvincular os efeitos da referida Lei no sufocamento violento dos povos indígenas, já que estando vigente, a Lei 14.701/2023 afeta diretamente os procedimentos administrativos demarcatórios tornando-os ainda mais morosos, senão possibilitando até a sua anulação. Ainda, a Lei legitima grupos armados a ações criminosas, a exemplo do já muito conhecido “Invasão Zero”.
Não havendo a demarcação dos territórios indígenas, inevitável e infelizmente, os conflitos se acirram, como o que podemos testemunhar em nossa caminhada de fé e esperança ao lado dos Povos Indígenas.
De tudo isso, Excelência, confiamos em Vossa sensibilidade à causa dos povos indígenas e sobretudo confiamos em Seu compromisso na guarda da Constituição Federal. Suplicando, por fim, que aprecie com urgência o pedido de manutenção da suspensão nacional conferida no RE 1017365 e também os pedidos de incidente de inconstitucionalidade da Lei 14.701/23 apresentado pelo Povo Xokleng no RE 1.017.365 (Tema 1031) e na ACO 1100, ambos de Sua relatoria.
Na esperança de sempre;
Brasília/DF, 15 de agosto de 2024.