O contexto do direito à informação é desafiante. Para as e os migrantes vindos da Venezuela, ter mais segurança sobre suas decisões de saída e chegada passa pela informação confiável. Como parte da implantação da plataforma Migra Segura, a Cáritas Brasileira e a Cáritas Equador realizaram em dezembro de 2020 um diagnóstico que entrevistou 807 famílias e 15 representantes de entidades com ações focadas na migração nos dois países (Defensoria Pública da União, ACNUR, OIM, Servicio Jesuita de Refugiados, Misión Scalabriniana, Instituto Migrações e Direitos Humanos, Agrupación Marista Ecuatoriana, Centro de Atendimento ao Migrante, e a Rede Cáritas).
Foram entrevistadas famílias em 8 cidades do Brasil (Boa Vista/RO, Brasília/DF, Curitiba/PR, Florianópolis/SC, Porto Velho/RO, Rio Branco/AC, São Paulo/SP, Assis Brasil/AC) e 4 cidades no Equador (Lago Agrio e Tulcán (zona da fronteira norte) e Quito e Machala (fronteira sul).
A pesquisa realizada pelas duas entidades, correalizadoras do projeto Migra Segura, tentou identificar as principais necessidades e desejos dos migrantes venezuelanos na entrada e na busca de informações relevantes quando chegam nos territórios dos dois países. A falta de informação é um grande problema para essas pessoas, colocando-as em situações muito vulneráveis. Há mais de 5 milhões e meio de venezuelanos em trânsito atualmente (dados do Acnur). Cerca de 150 mil no Brasil e 180 mil no Equador, pelos dados oficiais. Embora estima-se quase 700 mil pessoas se contadas as que ainda não conseguiram se regularizar (dados do Acnur).
Dados fundamentais - A partir do diagnóstico, por exemplo, sabe-se que entre os principais motivos para que as famílias deixassem a Venezuela estão: “a escassez de alimentos no país (75%), seguido pela falta de emprego (70%) e pelo acesso limitado a serviços de saúde e medicamentos (58%). As famílias entrevistadas escolheram seus países de acolhimento (Brasil ou Equador) principalmente por causa de suas melhores perspectivas de emprego (68%), seguido por uma melhor situação de segurança (47%) e melhores perspectivas educacionais para crianças e jovens (39%).”
Segundo Cristina dos Anjos, assessora nacional da Cáritas Brasileira para a Migração e coordenadora do projeto Migra Segura, “a partir do diagnóstico que realizamos, a gente pode comprovar essa situação: a pouca informação que chega aos migrantes; a pouca informação que possuem ao sair de seus países - eles vêm sem saber o suficiente do que vão encontrar. E quando chegam ao país, eles de fato têm pouca referência, poucas possibilidades de se organizar, de onde buscar informações, para saber de seus direitos.”
Plataforma de informação - Com dados robustos como esses, a plataforma Migra Segura está sendo construída para atender às principais demandas por informações relativas a esses migrantes. Nosso serviço prioritário será a disponibilidade de informações relevantes, atuais e cruciais para a segurança e para diminuição de vulnerabilidades. Segundo a pesquisa, essas pessoas (95%) gostariam de conhecer e usar serviços voltados às informações sobre os processos migratórios e serviços sociais e humanitários.
“Nós entendemos que a informação para os migrantes venezuelanos e também para os demais migrantes de outras nacionalidades é essencial para a chegada em um país diferente. A Cáritas entende que essa plataforma poderá ser um instrumento valiosíssimo no processo de apoio aos migrantes. Nós entendemos também que é uma plataforma que poderá ter uma contribuição às demais entidades e aos demais órgãos, para que seja possível tê-la como referência. Não é um instrumento que servirá apenas aos migrantes, mas também a estudantes, outras organizações e pessoas que buscam informações sobre a migração”, afirma Cristina.
Para Angelica Furquim, que também está na assessoria nacional da Cáritas Brasileira e é coordenadora do projeto no Brasil, “a proposta do Migra Segura é disponibilizar informação segura às pessoas migrantes. Uma informação que me chama atenção no diagnóstico é que 44% das famílias entrevistadas afirmaram não saber onde encontrar informações sobre serviços humanitários e psicossociais. E 35% não sabem onde encontrar informações sobre os trâmites migratórios. Não imaginávamos que esse percentual seria tão elevado - quase metade das pessoas não tem essas referências. Os dois maiores desafios do Migra Segura serão fazer informações como essas chegarem às pessoas e chegarem de forma acessível. Tanto em conteúdos quanto em comunicação.”
É o que também apoia Karina Villacís, da coordenação do projeto no Equador (pela Cáritas Equador). “É ter uma linguagem de fácil entendimento para as pessoas, que possa ser uma referência sobre a migração para quem procura informações não só no Equador, mas na América Latina.” E acrescenta outro desafio: construir uma plataforma de informação para migração diferente das que já existem. Para isso, Karina aposta na capacidade e na referência da Rede Cáritas. “Uma grande surpresa quando fizemos o diagnóstico no Equador foi saber que ao escutar que éramos Cáritas, os entrevistados associavam diretamente com quem podem solicitar ajuda. Sobretudo a população venezuelana no Equador tem a Cáritas como uma referência de colaboração, de apoio, de ajuda.”
Mais dados - Entre outros resultados da pesquisa, de acordo com representantes de entidades chaves e cerca de 54% das famílias entrevistadas, a informação de como conseguir trabalho é a principal necessidade das famílias venezuelanas, seguida de como regularizar a situação migratória (42%) e como obter assistência médica ou medicamentos (22%).
A pandemia de Covid-19 também teve um impacto significativo na vida e no bem-estar das famílias venezuelanas entrevistadas no Brasil e no Equador. De acordo com o diagnóstico, “mais da metade das famílias (67%) relatou que pelo menos um membro perdeu o emprego durante a pandemia, ao mesmo tempo que relatou uma redução na renda familiar (67%). O aumento do estresse e da tensão para os membros da família foi relatado como o terceiro impacto principal.”
E mais: “60% das famílias relataram que a pandemia limitou sua capacidade de acessar informações sobre os procedimentos e serviços de imigração, o que, consequentemente, fez com que atualmente tivessem sua documentação vencida ou esperassem por uma resposta aos seus procedimentos de imigração por longos períodos de tempo."
O diagnóstico também tentou entender como as pessoas buscam informação. E a busca por meios digitais é bem intensa. Nos dados obtidos, “a grande maioria das famílias entrevistadas (90%) relatou ter acesso a algum tipo de dispositivo móvel que se conecta à internet (smartphone, tablet ou computador). Além disso, 67% relataram ter acesso à internet todos os dias, enquanto somente cerca de 12% relataram nunca ou quase nunca ter acesso à internet.”
A análise dos dados sobre os meios de acesso à informação também destacou o forte suporte à informação nas redes sociais virtuais, como o Facebook, o Instagram e o Twitter. E revelou o Whatsapp como grande ferramenta de comunicação por onde chegam mais informações sobre documentação e serviços sociais e humanitários.
Migração segura - Os resultados desse diagnóstico estão sendo usados para fortalecer a implementação da plataforma Migra Segura, cuja aplicação principal (que será baseada na web) está em desenvolvimento. No Migra Segura será possível encontrar orientações sobre legislações, sobre espaços de acolhimento, indicações das redes socioassistenciais, informações sobre mundo do trabalho e outros. A plataforma poderá ser acessada através de celulares, tablets e de computadores.
Esta é uma iniciativa da Cáritas Brasileira em parceria com Cáritas Equador, financiada pela Usaid e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, com o apoio de CRS.
Como parte de uma ação da Cáritas, o Migra Segura está dentro de uma perspectiva da Igreja Católica para migrantes e refugiados. A Igreja celebra, há vários anos, eventos de reflexão sobre a temática, como o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado (desde 1914). Esta pauta é especialmente forte na ação pastoral.