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Migração e saúde mental: podcast reúne relatos de migrantes e suas jornadas emocionais

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Pessoas venezuelanas que chegaram ao Brasil e hoje vivem no estado de Roraima relatam o impacto do processo migratório na saúde mental.

Publicação: 30/01/2023




Episódio especial do podcast ‘Migre, y ahora’, ação do projeto Orinoco: Águas que Atravessam Fronteiras. Foto: Divulgação/Cáritas Brasileira


No mês do Janeiro Branco, através do projeto Orinoco: Águas que Atravessam Fronteiras, a Cáritas Brasileira lança um episódio especial do podcast  'Migre, y ahora?', com relatos sobre o processo migratório e o cuidado com a saúde mental. O episódio provoca a reflexão sobre a importância da atenção às emoções, construção de rede de apoios e conhecimento sobre serviços de atenção psicossocial, por meio de histórias de vidas. 


Preocupações com moradia, emprego, acesso a serviços básicos, contextos de discriminação e xenofobia, foram algumas das situações que surgiram durante o episódio, como fatores que ocasionam vivências emocionais negativas. Para Nancy Martínez, líder comunitária, a questão da moradia é um fator que faz com que pessoas venezuelanas se vejam deprimidas. “Nunca pensei que fosse sair do meu país. Depois de algum tempo, percebi que a questão da moradia é o mais difícil para os venezuelanos. A gente vem de um lugar onde o aluguel não se paga, todos nós temos nossas casas, não é costume morar de aluguel”. Para ela, as preocupações financeiras são um dos fatores que desestabilizam emocionalmente os migrantes. 


Bruno de Brito Silva é assessor técnico regional de proteção da Cáritas Brasileira, migrou de Sergipe para Roraima, e atua no projeto Orinoco. Ele explica que falar de saúde mental é falar também de condições sociais, econômicas e políticas, não apenas de questões de expressão emocional, crenças ou pensamentos sobre a própria migração. “É importante destacar que a migração não pode ser considerada como causa da presença de problemas de saúde mental ou transtornos mentais, mas pode ser um fator de risco, ou seja, um elemento que ocorre na vida de uma pessoa e que pode levar a condições de estresse”, explica. 


Didri Torrealba veio para o Brasil em busca de melhores condições econômicas. Apesar de estar empregada, não conseguia na Venezuela custear a alimentação de sua família. A migrante conta que estava emocionalmente abalada, mas que precisava sair dessa situação. “O importante é seguir em frente, não ficar parado, não ficar estagnado”. 


Didri também é liderança comunitária e conta como foi o processo de chegada ao Brasil até a organização da comunidade em que vive com outros migrantes. O espaço foi conquistado, depois de diferentes migrantes se unirem para comprarem um terreno para estabelecerem moradia. Uma saída para amenizar as preocupações financeiras e um processo de fortalecimento de laços. Como liderança comunitária, Didri revela que o diálogo e a conversa com migrantes para desmistificar a importância de cuidados psicológicos têm sido fundamentais para gerar confiança e chamar a atenção para a saúde mental: “Conversamos para focar com mais calma nos problemas e pensar em buscar soluções, alternativas para não sobrecarregar a cabeça”, disse. 


A troca de experiências entre a comunidade migrante foi um dos pontos que apareceram no relato das migrantes que participaram da edição especial do podcast. Desireé de Jesus é líder LGBTQIA+ migrante e, ao relatar toda a sua trajetória no Brasil, conta que a oportunidade de poder compartilhar sua história e também de conversar com outros migrantes proporciona ajuda mútua: “As informações que me foram passadas são sempre repassadas para outras pessoas que precisam e bem, até hoje agradeço a Deus por ter alcançado muitos, muitos objetivos, pois o que eu sofri não quero que outros sofram também”. 


Rede de atenção psicossocial 


Boa Vista conta atualmente com 34 Unidades Básicas de Saúde (UBS), sendo que em oito há atuação de profissionais da psicologia que atendem em três turnos de maneira revezada: manhã, tarde e noite. Há também três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que respondem a problemas de saúde mental mais persistentes e/ou abuso crônico de substâncias químicas.


Saiba onde encontrar atendimento de saúde nas cidades em que o Orinoco está presente


O acesso à saúde no Brasil é um direito de todos e todas e está assegurado pela Constituição Federal de 1988, assim como a Lei Orgânica de Saúde (Lei 8.080/90) que regulamenta o nosso Sistema Único de Saúde (SUS). Em relação às pessoas migrantes e refugiadas no Brasil, além de estarem amparadas pelas duas orientações legais, têm os seus direitos de acesso à saúde assegurados também pela Lei de Migração (Lei 13.445/17). 


Emília Delcarlos, psicóloga e técnica no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Pintolândia em Boa Vista, Roraima, explica que a estrutura pública de assistência é fundamental para garantir a saúde mental da população migrante. “Os fatores de risco são muito complexos. Depende muito de como a pessoa migra, para onde vai, quem vai receber essas pessoas. É um processo de muitas ressignificações. Porque a música, a comida, as pessoas, a língua, tudo isso faz parte da nossa identidade. Quando migramos, vamos para uma cultura totalmente diferente. É como pisar em um chão novo. Então, eu acredito que dois fatores essenciais são como o governo, os estados estruturam as políticas para atender essas pessoas”. 


Psicóloga Emília Delcarlos, durante a gravação do episódio. Foto: Divulgação/Cáritas Brasileira


Para a psicóloga, além da informação sobre o acesso à rede de atenção, é fundamental que a própria rede esteja preparada para responder às demandas da população em situação migratória. “Para a saúde mental não é só explicar como você pode procurar um psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde. Os psicólogos e a rede estarão preparados para receber essas pessoas? Cultura, língua e tudo isso? Influencia muito a forma como a saúde mental é pensada e operada aqui em Roraima”, pondera.


Ouça abaixo, em espanhol, a fala de Emília:





Orinoco: Águas que Atravessam Fronteiras


Orinoco: Águas que Atravessam Fronteiras é um projeto da rede Cáritas, financiado pelo Escritório de População, Refugiados e Migração do Governo dos Estados Unidos da América (PRM). O projeto consiste em uma ação humanitária que tem o objetivo central de construir e manter instalações sanitárias e promover o acesso a direitos sociais e a condições dignas de higiene, visando atender necessidades básicas de pessoas em situação de vulnerabilidade social, principalmente migrantes e refugiados, e pessoas em situação de rua. 


Atualmente, o projeto está presente nos estados do Acre, Pará, Piauí, Rondônia e Roraima. Sendo em Roraima, nas cidades de Boa Vista, Pacaraima, Rorainópolis, Caracaraí e Mucajaí. 


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