COLABORE

Sinais de esperança, resistência e profecia na 24ª Assembleia da Cáritas Brasileira

Institucional

A Sagrada Escritura e a tradição dos povos originários alimentam a esperança e são luzes em tempos de crises

Publicação: 21/11/2019



 Por Equipe de Comunicação Cáritas Brasileira


Inspirada pela comunidade de Lucas “Erguei-vos e levantai a cabeça, pois está próxima a vossa libertação” (Lc 21,28), a Cáritas Brasileira iniciou, nesta quarta-feira (20), a 24ª Assembleia Nacional, em Teresina (PI). A atividade é um momento estratégico para a entidade, reunindo 250 agentes de mais de 100 entidades-membro de todas as regiões do país, que irão, até sexta-feira (23), refletir a missão institucional, participar de debates temáticos, visitar experiências desenvolvidas no estado e ainda eleger a nova diretoria da instituição para o quadriênio 2020-2024.

Durante a manhã desse primeiro dia de atividades, houve um momento orante, a apresentação das delegações inter-regionais e a mesa de acolhida, com as presenças da governadora estadual em exercício, Regina Souza, do arcebispo de Aracaju e presidente da Cáritas Brasileira, Dom João Costa, do arcebispo de Teresina, Dom Jacinto Furtado, da agricultora Maria Francisca da Silva e do secretário executivo do Regional Piauí, Adonias Moura.

Na sequência, os agentes da Cáritas tiveram a oportunidade de se aprofundar no tema da Assembleia com o painel “Bem Viver: Esperança, Resistência e Profecia”, que contou com as reflexões da socióloga, advogada e professora da Universidade Federal do Piauí, Sueli Rodrigues, e do professor de Teologia da Universidade Católica de Fortaleza, padre Aquino Júnior.


Painel1

Painel Bem Viver: Esperança, Resistência e Profecia com Sueli Rodrigues e Aquino Júnior e coordenação de Cardoso - Foto: Arquivo Cáritas Brasileira


Fios de esperança em tempos de crise

Sueli Rodrigues começou sua fala afirmando que a crise apontada como ambiental na modernidade, hoje se configura como uma crise civilizacional. Embora destaque que a humanidade não tem feito muita coisa para mudar essa situação, ela acredita que a esperança de superação está nos princípios do Bem Viver, que simbolizam a resistência. “O fio de esperança vem exatamente daqueles povos que não foram considerados nem humanos, aqueles povos que foram considerados como parte das florestas, que não foram considerados civilização”, aponta.

A professora explica que a humanidade não conseguirá confrontar a crise com os aparatos da modernidade e afirma que a forma de enfrentá-la é aprender com as civilizações que foram colonizadas e atacadas pela Europa, tais como os povos da África, Índia e os povos originários da América Latina. A construção de outros sentidos para a vida a partir da orientação de outras cosmovisões que enfrentem a hierarquia entre a vida humana e as demais vidas no planeta é a proposta apontada por Rodrigues, referenciada na filosofia dos povos africanos ubuntu, que entre seus significados traz a reflexão de que “eu sou, porque nós somos”. “Nenhuma espécie vai existir sozinha. Então, não é ‘eu penso, logo existo’, mas eu sou porque minha espécie existe. Se ela desparecer, eu também irei desaparecer, mesmo que eu pense”, disse Sueli.

A partir da análise crítica e questionadora do eurocentrismo na produção do conhecimento, na filosofia, na história, no direito e demais ciências no mundo ocidental, Rodrigues propõe a ruptura com o colonialismo europeu. “A filosofia que estudamos até hoje é a grega e a romana. Será que só eles eram capazes de refletir sobre a própria existência? Sabemos que não, onde há vida, há filosofia, inclusive, as vidas não humanas. Se nós não entendemos a linguagem dos pássaros, dos rios, das árvores, da Mãe Terra, isso não significa dizer que eles não reflitam sobre sua existência”, explica.

Segundo Sueli, o caminho de superação para a crise está no Bem Viver, sendo a experiência dos povos andinos a mais próxima desses princípios. “Tenho muito orgulho de dizer que temos três constituições que trazem os princípios do Bem Viver: Bolívia, Equador e Venezuela. E o que está acontecendo com esses três países? A Venezuela nós ajudamos a demonizar; no Equador, Rafael Correa é exilado; e, na Bolívia, estamos vendo o que está acontecendo. Aqueles povos que ousaram trazer os conhecimentos indígenas, que disseram nas suas constituições se reconhecem como uma plurinação, estão sendo perversamente atacados pelos Estados Unidos”, contextualizou.

Ressaltando que não existem etapas para o desenvolvimento e nenhum país da América Latina ou da África se tornará um país desenvolvido, a saída apontada por Sueli é a resistência. “A única coisa que podemos fazer é resistir como nossos ancestrais resistiram. E como faremos isso? Valorizando o que é nosso”, acredita. A professora concluiu sua fala provocando os participantes a buscarem nas experiências dos povos indígenas e africanos as formas de resistência. “Vamos aprender com nossa resistência para que essa esperança deixe de ser um fio e passe a ser a razão da nossa existência”, finalizou.


Está próxima a vossa libertação

Animando os agentes da Cáritas para enfrentar os tempos de crise, padre Aquino destacou a importância de manter a esperança. Para ele, é preciso olhar os sinais de morte e escutar os clamores tantas vezes silenciados que afligem a América Latina e o mundo, mas, ao mesmo tempo, é necessário reafirmar a esperança. “Estamos vivendo tempos difíceis e dramáticos, mas é precisamente, neste contexto, que somos chamados a dar testemunho de uma esperança ativa e criativa, provada na cruz, regada por sangue martirial e sustentada pelo espírito de Deus”, ressaltou.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre 2016 a 2017, o número de pessoas pobres no Brasil, ou seja, que vivem com apenas R$406 por mês, aumentou em 2 milhões. Também cresceu o número daqueles que vivem na extrema pobreza, com até R$140 por mês, de 13,5 para 15,2 milhões de pessoas. “Por trás desses números, tem gente, pessoas, famílias”, lembrou Aquino. Ele destacou que a essa situação de desigualdade e injustiça econômica acumula-se também uma série de outras questões, tais como o machismo e o patriarcado, o genocídio e o etnocídio dos povos indígenas, o racismo e a homofobia. “A tudo isso se acrescenta a consciência, cada vez maior, da destruição do meio ambiente e da redução da natureza à mercadoria, que compromete a vida das futuras gerações”, explica.

Para padre Aquino, é muito significativo que a Cáritas tenha escolhido como lema de sua Assembleia o trecho do evangelho de Lucas: “Erguei-vos e levantai a cabeça, pois está próxima a vossa libertação” (Lc 21,28). Ele conta que na narrativa do anúncio da destruição do templo e da cidade de Jerusalém, o evangelista recorda que aquele ainda não é o fim e há um longo caminho pela frente, no qual a comunidade cristã deve dar testemunho de Jesus Cristo, enfrentando perseguições e mostrando perseverança.

“Lucas relembra a necessidade do empenho no tempo presente, que é tempo de testemunho em meio a perseguições violentas, que é tempo de confiança, tempo de esperança perseverante na espera da libertação com a vinda do Senhor ressuscitado”, disse. Segundo Aquino, o que serve para a comunidade de Lucas, também serve para a sociedade nos dias de hoje. “É muito bom escutar o que o Evangelho de Lucas nos diz: não é o fim, nem é hora de pessimismo e resignação. Nesses tempos, nós somos chamados a dar testemunho”, diz.

Padre Aquino lembrou que a missão da Cáritas de participar da construção solidária da sociedade do Bem Viver está formulada desde sua última Assembleia, em 2016, em Aparecida (SP). Essa tarefa histórica e espiritual está em comunhão com os povos andinos e vários movimentos populares. “É uma tarefa gigantesca que nos toca recolhendo as sabedorias, as experiências e as práticas que estão sendo gestadas nas bases, nas lutas sociais, nos movimentos populares como forma de superação para essa civilização do capital”, destaca.

Durante sua fala, ele ainda refletiu sobre os sentidos da Esperança, enquanto condição fundamental da vida humana; da Resistência, que deve ser crítico-criativa, tanto na denúncia, no enfrentamento e na luta quanto na construção de novos padrões e relações; e da Profecia, como anúncio da Palavra de Deus em circunstâncias concretas e normalmente adversas. Aquino ainda alertou a rede Cáritas para não deixar que os tempos difíceis lhe roube a alegria e a esperança, para estar atenta aos sinais de resistência nos territórios e não perder de vista à luta por políticas públicas e o enfrentamento ao modelo capitalista, que transforma tudo em mercadoria.

“A construção do Bem Viver é um processo constante e permanente de mentalidade, de relações, de práticas, de tecnologias. É um processo social, ninguém faz sozinho, por isso é importante acumular forças sociais nas bases”, reforçou ele, concluindo sua fala com um chamado de Dom Helder Câmara: “Uni-vos, minorias abraâmicas”.


 Participantes da 24ª Assembleia da Cáritas Brasileira no painel Bem Viver - Foto: Cáritas Brasileira

1 Painel

Tag