COLABORE

Rádio Orinoco: Bilíngue, intercultural e empático

Projetos

Programa de rádio sensibiliza sobre o acolhimento de migrantes e estimula o autocuidado em situações extremas

Publicação: 22/01/2020


Por Tainá Aragão  - Comunicação Cáritas Brasileira

Fotos: Adriana Duarte - La Mochila Produções


Para sensibilizar é preciso ir além do espaço comum, transcender as barreiras no eu ao se aproximar do outro. Nessa aproximação, nota-se que o diferente de nós, no fundo, possui várias similitudes ̶ pontos de encontros ̶ e na junção das particularidades individuais também podemos construir um espaço de convivência mais harmonioso para todos: diverso e socioculturalmente mais rico. Foi com essa reflexão que a Rádio Orinoco foi criada, pensada para propagar, através das ondas sonoras, outras versões sobre a migração venezuelana para o Brasil, que apresentem a integração como um caminho possível, se trilhado sob valores como empatia e solidariedade.

Lançado em outubro de 2019, o programa  Rádio Orinoco está na fase final da 2ª temporada. Transmitido semanalmente na FM Monte Roraima (107,9 mgz) e na Rede de Notícias da Amazônia (RNA), o programa é veiculado simultaneamente em 20 rádios da região Amazônica, além de acesso livre no  Spotify. O projeto comunicacional bilíngue (português e espanhol) é uma iniciativa da Cáritas Brasileira, Cáritas Diocesana de Roraima, com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento (USAID/OFDA). 




A brasileira Evilene Paixão e o venezuelano José Antônio conduzindo a 1ª temporada da Rádio Orinoco.


Para Joelma Viana, gestora da Rede de Notícias da Amazônia, o programa é interessante porque propõe um o diálogo entre dois países. “A interação entre um brasileiro e venezuelano é muito importante, tanto que a Associação Latino Americana de Comunicação e Educação Popular também passou a veicular o programa e agora ele está sendo transmitido em mais de 127 rádios associadas do Continente”, diz.


Oportunidades - Os temas dos 16 episódios permeiam a questão fronteiriça, o encontro de duas culturas vivenciadas atualmente em Roraima, oportunidade garantida graças ao processo migratório. Em uma fronteira cabem muitos significados, além de ser um espaço de trânsito de pessoas, proporciona intercâmbio de informações, saberes e fazeres, capazes de dinamizar a economia local e criar uma nova cultura, por meio dessa fusão. Roraima representa atualmente uma potência para o futuro do Brasil, apesar das grandes problemáticas ainda vivenciadas pelo aumento demográfico, a migração é uma grande oportunidade para o estado de Roraima desenvolver uma economia própria e menos dependente do funcionalismo público. 

Esse terreno híbrido de conexão e novas possibilidades garantiu uma produção completa de rádio: bilíngue, intercultural, fronteiriça e empática. A produção do programa foi realizada por migrantes que compõe a equipe La Mochila Produções, em parceria com a equipe de Comunicação da Cáritas Brasileira, uma interação produtiva entre profissionais brasileiras e venezuelanos(as), que afirmam mais uma vez a beleza e potência dos encontros entre nacionalidades.


Primeira temporada - Os temas abordados nos primeiros oito episódios do programa “Rádio Orinoco” estão ligados às oportunidades de aprendizado que os encontros entre culturas e pessoas promovem. Portanto, além de informações históricas básicas da Venezuela e Brasil, o programa aborda temáticas ligadas ao turismo e geografia, esportes, culinária, festas tradicionais, migração e florestania, música e um resumo de ideias e aprendizagens que a interação entre países proporciona. Com seções como: "É verdade que vocês?" ou "De onde vem esse ritmo?" abrimos um clima de amizade e parceria entre pessoas que embora tenham culturas diferentes têm várias coisas em comum e podem aprender mutuamente.

Ouvinte da Rádio Orinoco desde a primeira temporada, Antoniel Silva, acredita que o programa é muito interessante para Boa Vista. “Os narradores falam de forma clara e eu gosto que falam um pouco dos dois países (Brasil e Venezuela). Eu acho que o formato do programa, de fato, é uma ótima maneira de aproximar pessoas de nacionalidades diferentes, já que dá oportunidade pra que conheçam um pouco mais do outro, uma visão além da imagem que é passada nas ruas ou na mídia comum. Então eu acho que é sim interessante que a mídia em geral desenvolva ferramentas com essas características, seja por meio de radio ou outra ferramenta”, conclui. 


Segunda Temporada - A segunda temporada do programa, com oito episódios, passou a ser conduzida pelas vozes femininas das jornalistas Evilene Paixão, brasileira, e Morelia Morillo, venezuelana,  que conversa com diversas pessoas Nas Ruas de Roraima, nome do quadro de entrevistas. Morelia entrevista, in loco, pessoas que desenvolvem trabalhos sociais voltados a migrantes em Boa Vista, muitas das iniciativas também são conduzidas por migrantes, que através de projetos coletivos de partilha propiciam um acolhimento mais digno para seus conterrâneos. Essas histórias têm o objetivo de estimular ações de acolhimento a partir de pequenas iniciativas e ações diárias.




Morelia Morillo, jornalista venezuelana, nas "Ruas de Roraima" entrevistando migrantes que possuem iniciativas de acolhimento.


Nilza Rodriguez, entrevistada no 6º episódio, é uma venezuelana portadora de uma doença crônica que criou uma casa de acolhida para pessoas migrantes portadoras da mesma doença, pois, muitas delas não encontravam mais o tratamento gratuito na Venezuela, o projeto cresceu e virou a ONG Valientes por la Vida. No programa ela enfatiza. “Nós ajudamos as pessoas a serem tratados com dignidade nos hospitais e a fortalecer sua saúde através da alimentação, acolhemos de maneira com ajuda da sociedade civil e algumas organizações. O projeto tem sido para mim uma escola, pois, tem tocado a fibra mais íntima das pessoas, tem nos ensinado a ser mais sensíveis. Valientes por la vida, somos todos.”, enfatiza. 

José Franco, professor de antropologia da Universidade Federal de Roraima, que também participou do quadro no 3º episódio, não contou sobre sua pesquisa acadêmica, mas demostrou como a coletividade pode ser uma alternativa de acolhimento. Em Boa Vista, ele possui duas casas coletivas de acolhida para migrantes, onde nada é subsidiado, mas tudo é socializado, uma solução criativa e viável para as pessoas não ficarem em situação de rua. 

“São ações simples que permitem recebermos os migrantes, trocar conhecimento e criar laços de afeto. A primeira ação é como uma casa de passagem, que permitem acolher famílias venezuelanas que estão indo a outras regiões do país e necessitam de um lugar pra ficar alguns dias. A segunda ação é o português de acolhimento que é a ideia de quem chega (migra) ter noções básicas para poder se comunicar melhor. Uma terceira ação é o grupo de gênero, que é a ideia de reunir mulheres para discutir educação dos filhos, relação conjugal, igualdade entre homens e mulheres”, explica.

Os Contos de Banheiro também foi outro quadro lançado na segunda temporada. De uma forma cômica e informativa, as apresentadoras contam  as histórias dos objetos de higiene que nos cercam. Esse quadro foi criado a partir de referências latino-americanas de rádio dos anos 1980 e 1990, que possuíam um tom de humor, baseado em uma sonoplastia elaborada, para tratar temas corriqueiros de forma inusitada, Confira aqui.



Integração entre idiomas e  nacionalidades trazem riquezas culturais que agregam valores e expandem os olhares para uma mais compreensão ampliada sobre o mundo.


Comunicação que transforma- Orinoco é o nome do maior rio da Venezuela e interliga o país com o Brasil, formando um afluente do rio Amazonas. A conexão das águas é um diálogo natural que inspirou o programa Rádio Orinoco, mostrando as infindas possibilidades que surgem a partir dos relacionamentos humanos, dessas ligações igualmente naturais que deveriam ser fluidas. A equipe de produção acredita que a comunicação que transforma é aquela que conecta conhecimentos distintos em uma visão holística e engajada socialmente, esse percurso  ̶  feito o percurso das águas  ̶  que o  Rádio Orinoco faz integrando o público ouvinte às narrativas positivas (e de soluções) que tecem o processo migratório. Nesse intento, a equipe segue buscando que essa iniciativa deságue em outras experiências e práticas e que transcendam, como um rio, as fronteiras.  


Tag