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Fraternidade: a comunidade-casa é o lugar da missão para a Rede Cáritas

Geral

Conheça a história fraterna de Paulo Henrique de Morais (Paulinho da Cáritas), da Cáritas Arquidiocesana de Brasília

Publicação: 04/03/2020



Por Tainá Aragão (texto e fotos) - Comunicação Cáritas Brasileira

O termo comunidade-casa é um guia para a Campanha da Fraternidade 2020 (CF), e indica que o lugar que vivemos deve ser “O lugar do afeto, da ternura e do abraço, de encontro fraterno em torno da Palavra e da Eucaristia que geram vida”. Nesse sentido, “A comunidade gera vida pela proclamação da Palavra e pela vivência da fraternidade”. Esse conceito baseado nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE 2019-2023) é cunhado como caminho e travessia dessa jornada quaresmal. 


Paulinho cultiva relação de proximidade com lideranças comunitárias, fortalecendo o trabalho de base.

A vivência da fraternidade se entrelaça ao compromisso da Cáritas Brasileira e compõe também a travessia de histórias de engajamento através de diversas e diversos agentes da instituição, espalhados por diferentes partes do território brasileiro. Paulo Henrique de Morais (Paulinho da Cáritas), diretor executivo da Cáritas Arquidiocesana de Brasília tem sua vida atravessada pela fraternidade apreendida por meio dos projetos sociais. Com mais de 15 anos dedicados ao labor social de base, ele assume a fraternidade como compromisso de sua existência laboral e pessoal.

Na travessia, de lá para cá e de cá para acolá, cortamos diferentes pontos do Distrito Federal para conhecer os caminhos percorridos quase que diariamente pelo Paulinho. Em seu corsa branco com a identificação da Cáritas, ele vai tecendo projetos e dando forma e continuidade a ricos encontros ao largo dos anos. Desde 2009, no início da mobilização da Cáritas Arquidiocesana de Brasília, Paulinho já estava na equipe, primeiro como voluntário, fazendo a conexão de projetos com pessoas e movimentos sociais. O caminho percorrido até aqui mostra os frutos de uma iniciativa permeada pela vontade de fazer nascer algo novo na capital brasileira: o espírito da caridade emancipadora.

A primeira parada para se conhecer o envolvimento inseparável da identidade de Paulinho com a Cáritas é uma visita ao Ponto de Encontro, organização através da Economia Popular Solidária na Cidade Estrutural (DF).  Há oito anos, a primeira ação da Cáritas Arquidiocesana no local, nasceu com o propósito de contribuir com a formação e a geração de autonomia para mulheres periféricas que estavam sem atividade laboral formal, em detrimento das atividades domésticas e cuidado com os filhos. 

O Ponto de Encontro é um grupo de mulheres que coloca em prática o sentido de comunidade como lugar central para a própria autonomia. Inicialmente, o projeto tinha como propósito a geração de renda, por meio do bazar e comercialização de produtos que foram recolhidos da Receita Federal e repassados para a Cáritas Brasileira, que os doou para o grupo de mulheres como forma de incentivo para a criação do projeto. Nessa doação, havia muitos tecidos, e de forma providencial grande parte das mulheres beneficiárias eram costureiras. Desta forma, Paulinho trabalhou na articulação de oficinas de costura e na viabilidade de um espaço para que as mulheres pudessem trabalhar e gerar renda, mirando a sustentabilidade e perspectivas de continuidade do projeto.

A líder comunitária, Dagmar de Souza, abrigou em sua própria casa a iniciativa. “Através do curso de Educação Popular que eu conheci o Paulinho, em 2009, fui convidada por ele para o Fórum Social Mundial, daí em diante me engajei bastante. Depois que veio a proposta do projeto entendi que era importante assumir, pois iria ajudar a melhorar a minha comunidade e a vida de outras mulheres como eu,” relata.


Dagmar de Souza é líder comunitária da  Estutural (DF) e segue acreditando em pequenas iniciativas para melhorar sua cidade.

Depois de oito anos,  os princípios da autogestão estão ali entre elas de forma inerente. Por meio da cultura do encontro o grupo  coloca em prática princípios fundantes do trabalho coletivo. São mulheres, mães e trabalhadoras que estavam fora do mercado de trabalho, pois, viviam em outro tempo, não-comercial, e com o incentivo de um pequeno projeto do projeto puderam alcançar sua autonomia financeira . 

“Engajar pessoas no seu próprio espaço, garantindo que a/o protagonista coletivo consiga se manter e sobreviver é um objetivo que interliga todos os projetos.” é uma das falas mais presentes na persona de Paulinho, também marca seu ideário de que a continuidade do projeto deve ser fincada para além dos  marcos e indicadores previstos, mas através processo de assunção dos próprios beneficiários/as. Para a permanência das iniciativas, Paulinho cultiva uma aprendência que o motiva: “As relações que tecemos nesses caminhos, de bem comum, de bem viver, é isso que faz com que os projetos transcendam o tempo e se tornem algo verdadeiramente da comunidade.” 

Por meio da proximidade e relações construídas através de laços afetivos, do elo da fraternidade, o maior desafio atual, com a crescente onda individualizadora que assola as relações sociais, é construir juntos e juntas espaços coletivos e comunitários. Entre os vínculos abstratos e divinos, coletivos e pessoais, Paulinho pontua na própria pratica que “O projeto acaba e o que fica são as relações, o projeto de vida é a própria relação de entrega para e com o outro”.


A aliança entre agricultoras e agricultores do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e a Cáritas Brasileira gera frutos até hoje.

Com esses ensinamentos que foram constituídos nos processos de vida e trabalho, partimos para o outro lado do Distrito Federal, vamos para a fértil zona rural de Samambaia, conhecer outro projeto que compõe a trajetória de Paulinho. Parque Gatumé- Área de Reserva Ambiental é o nome de uma chácara de pequenos agricultores vinculados ao Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). Esse espaço abrigou alguns projetos apoiados pela Cáritas, entre os quais, a criação de coelhos, processos formativos e produção de fitoterápicos. Pode-se dizer que existe uma conexão desse pedaço de terra e de luta com a própria vida de Paulinho.

Rosangela Piovizani, líder camponesa vinculada ao Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) é a proprietária da chácara desde 2004, mas o espaço é coletivizado para ações diversas do movimento e também como sede de eventos e abrigo de agricultores vítimas de perseguição de madeireiros e empreiteiros. Entre as plantas nativas do cerrado, plantações agroecológicas e muita luta, a chácara é um recanto de resistência e inspiração.

“Devido a nossa relação com os movimentos sociais, somos uma referência, coletivizamos esse espaço, então temos muitos eventos, seminários, formações, acampamentos e encontros. Essa chácara é a nossa sobrevivência, mas também é um compromisso de justiça e solidariedade que temos com o povo”, diz Rosângela. 

 A Cáritas Arquidiocesana de Brasília é parceira desde 2012 desse espaço de cultivo e construção, por meio da articulação iniciada por Paulinho, diversas pessoas do campo, especialmente agricultoras passaram por processos de formações e receberam incentivos para iniciarem outros projetos. Para Paulinho, ver a chácara é uma simbiose de concretização do trabalho cotidiano e inspiração para seguir construindo outras pontes entre projetos e movimentos sociais. “A gente mantêm o vínculo porque é no movimento que a gente se inspira e é neles que a gente também enxerga o resultado da ação transformadora. Sempre tem eventos e a gente se junta se fortalecendo e também fortalecendo os projetos”. 


Paulinho se inspira e fortalece sua atuação com os resultados dos projetos que executa diariamente.

Fonte de Inspiração- Fazendo o caminho inverso, começando onde se diz início, Georgina é a palavra-pessoa que mais inspirou Paulinho a trilhar esse caminho da fraternidade. É através da sua mãe e em sua própria casa-comunidade no Morro Maior,  interior do Piauí, que o menino-Paulo conheceu o sentipensar  fraternidade. “Minha mãe, em meio à toda pobreza, tinha um dom — ela sabia identificar quando alguém entrava na minha casa com fome. Ela, sem muita cerimônia , já chamava logo para comer, mesmo a gente tendo muito pouco. Na minha infância não entendia o porquê, mas agora compreendo que o importante mesmo é compartir, por mais pouco que se acredite ter”. 

Seguindo o movimento cíclico e dinâmico da vida, no mesmo ano em que nasce a Cáritas Arquidiocesana de Brasília , 2009, dona Georgina falece  aos 80 anos. Esse nascimento da Cáritas talvez signifique um renascimento do menino-Paulo, uma forma de dar continuidade àquilo que lhe foi semeado no berço: servir o outro é alcançar a plenitude de estar em contato constante com o divino que habita em cada um, independente de classe, raça, gênero e religião. A fome une e a partir daí se pode alcançar o saciar. 

No entrelaçar dos projetos é que se dá a vida de Paulinho da Cáritas, através dessas tantas pegadas que transcendem o marco natural do tempo, entre presente, futuro e passado, mesmo sem a lógica natural dada às narrativas. O que se percebe é que o sentido que Paulinho transfere à fraternidade está no movere — que deriva da ação e emoção em travessia.  Falar de fraternidade é também dizer de Paulinho, e de outras tantas pessoas que acreditam que o gerar vida está na convergência entre o espaço comum e a entrega verdadeira entre as pessoas.

O trabalho de engajamento social não é uma alternativa é a resposta às crises atuais e também é o que alimenta a utopia. Pois, é na comunidade-casa, no movimento em rede, que é possível somar inteligências coletivas que permitam orientar as pessoas mutuamente, como uma bússola para pensar e agir no avanço desse outro poder que centra a fraternidade como caminho.


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